sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Entrevista com Kamau



Fotografia por Luciana Faria

Concedida em Novembro de 2010

Kamau é um dos mc's que está sempre em evidência no rap nacional, principalmente depois de ter lançado o seu elogiado álbum “Non Ducor Duco”, que é considerado um dos melhores discos de rap dos últimos anos. Muitos sabem de sua história na rua, que já vem de alguns anos, seja no rap ou no skate, e para o Sampleologia é um prazer ter a entrevista. Obrigado Kamau.


- Qual é a sua atuação na criação de um instrumental? Você atua como beatmaker, produtor?
Eu me considero beatmaker amador e produtor palpiteiro. Eu ainda não estou no nível de produções que gostaria de estar e tenho amigos beatmakers muito talentosos, e produtores também, que me permitem ficar no banco do passageiro durante o processo...


- Hoje em dia, o acesso a um computador e a softwares é fácil, e muitos novos beatmakers têm surgido graças a essa facilidade. Que consequências você vê nisso?
Poucos dedicam seu tempo para aprender o máximo possível antes de mostrar seu trabalho ao mundo. Muitos se acham prontos cedo demais. Mas alguns poucos talentosos conseguem se destacar em meio ao mar de mesmos...


- O que você acha das fontes de sample? Faz diferença, de alguma forma, extrair o áudio de um vinil, por exemplo? Existe um valor cultural histórico nisso?
A qualidade de áudio do vinil em perfeito estado é melhor para alguns, mas tudo acaba se convertendo em placas digitais não-apropriadas para a captação de áudio. Mas a pesquisa dos vinis faz muita diferença no conhecimento musical de quem os adquire. Fico muito mais interessado em conhecer o trabalho de um artista quando compro o vinil e leio as informações nele contidas.


- Que beatmaker você acha inovador na arte de cortar samples? E o que acha dos samples em bloco, aqueles que usam um grande trecho da música original quase sem alterações?
Cada produtor tem sua maneira de "abordar" a música. Uns sampleiam loops, outros recortam samples, outros aliam samples e instrumentos virtuais, outros preferem instrumentos reais.
Gosto muito do 20 Syl nos dois discos mais recentes do Hocus Pocus. DJ Premier e Pete Rock estão na lista para sempre. J Dilla era bem versátil nos recortes, loops e instrumentações. Madlib acha ótimos loops, independente da duração. Just Blaze, No ID, Black Milk, Waajeed. Hordatoj, que produziu o disco da Ana Tijoux- 1977.
Quanto a usar loops grandes ou não, depende da visão do produtor. É muito fácil falar: “Ele não fez nada aí”. Mas ele simplesmente FEZ. Se o resultado for uma música boa, só recalcados ficarão falando do tamanho do loop.


- Na produção de rap, que beatmakers brasileiros se destacam hoje?
Gosto muito do Nave, Parteum, Som 3, Renan Samam, Casp, Laudz e Thew Franklin, entre outros.


- Alguns músicos questionam a legitimidade do sample como composição. Sample é uma composição? É uma criação musical?
É uma recriação, uma reciclagem. Não cabe a mim definir se é composição ou criação. Mas sou adepto do sample e gosto de boas instrumentações e criações musicais.


- Como foi o processo de escolha dos instrumentais do álbum “Non Ducor Duco”? A faixa “Vida” por exemplo (Que pelo que tudo indica não tem uso de sample) é o ápice do disco na questão sintonia entre letra + instrumental. Como se desenrolou?
Eu procurei o melhor clima para cada tema que eu tinha. “Non Ducor Duco” foi concebido como um álbum com começo, meio e fim. Cada tema tinha que ter sua própria trilha sonora e escolhi as pessoas que podiam providenciar cada uma dessas trilhas. Já sabia que podia contar com alguns, como DJ Primo e Parteum, mas fiquei muito feliz em encontrar muita sintonia com o Nave, de Curitiba. Quero muito fortalecer nossa parceria musical. Suissac e Munhoz foram muito importantes também nesse processo. A base de “Vida” foi algo que encontrei com o Munhoz depois de muito procurar e da ideia crua dele a música foi só melhorando.
Agradeço a todos os produtores que trabalharam comigo nesse disco.


- Como de costume, para finalizar, um espaço livre pra você se expressar.
Fortaleçam a música em que acreditam pra que ela tenha continuidade. E viva a música boa através dos tempos!

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Entrevista com Rodrigo Brandão (Mamelo Sound System)


Rodrigo Brandão é uma outra figura ativa e muito importante no Hip-hop Nacional que passa aqui pelo Sampleologia. Fora seu trabalho musical carregado de brasilidade em parceria com Lurdez da Luz no Mamelo Sound System, sabemos da sua atuação promovendo eventos de muita qualidade e acessibilidade pra quem admira a Cultura Hip-hop. Obrigado.



- Rodrigo, quem cria os instrumentais do Mamelo? Você também cria os Boom-baps?

No nosso último álbum, “Velha-Guarda 22”, quem maestrou a coisa toda foi o Scotty Hard, um daqueles super-heróis subliminares que só quem é conhece. Ele já trabalhou em discos fundamentais como “De La Soul Is Dead”, “Wu-Tang Forever” e “Sex & Violence” do Boogie Down Productions, além de assinar a produção de alguns dos melhores trampos do Medeski Martin & Wood. Mas o Mamelo também já rimou em beats de muitos outros artistas, tanto gringos (High Priest, Wax Poetic, Spectre, Metastaz) quanto nacionais (Parteum, Maquinado, Yoka, Kiko Dinucci). Eu não meto a mão nos botões, mas sempre tenho presença ativa na produção: seleciono samples, faço a parte de conceituar o trampo, escolher as participações, definir a cara e o caminho a ser seguido.



- Hoje em dia, o acesso a um computador e a softwares é fácil, e muitos novos beatmakers têm surgido graças a essa facilidade. Que consequências você vê nisso?

É uma faca de dois “legumes”... O lado bom é a democratização, a fita de conseguir ferramentas para se expressar, mesmo sem ter capital para investir nisso a princípio. O problema é que, para cada Pizzol ou Tiago Rump (figuras que respeito, surgidos nesse contexto), aparecem trocentos que só chegam atrás de dinheiro e fama, maluco que antes não se lançava porque era uma busca, um processo evolutivo, coisa que demanda tempo, dedicação e energia. Agora é só dar meia dúzia de cliques no mouse, e o público acaba abraçando porque, para uma porção significativa da sociedade, música é só mais uma pasta de arquivos no computador ou no celular. Aí, o personagem e o figurino acabam, em geral, valendo mais do que o som em si nessa Era Da Pós-Esperança, como diz o Black Tought do The Roots.



- O que você acha das fontes de sample? Faz diferença de alguma forma extrair o áudio de um vinil, por exemplo? Existe um valor cultural histórico nisso?

Para começar, vale dizer que é melhor ouvir uma canção da hora em MP3 do que um bagulho boca em LP 180g... Mas, posto isso, rola diferença, sim. Tem a questão das frequências: o som do vinil é muito mais “gordo” e definido que qualquer outro formato. E tem a vivência: quando você fuça um sebo, acha o disco, você vê a capa, lê as informações – quem tocou, quem produziu, quem arranjou, etc. – e acaba entrando no mundo daquele artista, descobrindo outros nomes importantes, aquilo passa a ser parte de você também. E mesmo que pareça conversa metafísica ou abstrata, a real é que quem tem sensibilidade e profundidade, percebe o grau da diferença: é algo como comparar um chá aguado com café expresso curto e grosso.



- No extinto programa “Vitrola Invisível” (UOL), rolava a sessão “Originais e Sampleadas”. Não existe previsão da volta do programa ou do surgimento de algum programa semelhante?

Eu me divirto fazendo rádio, e também tem a sensação gratificante de propagar música boa para quem se interessa e muitas vezes não conhece determinado som ou artista. O lance de “Originais e Sampleadas”, em especial, me fazia a cabeça, porque eu sou hip-hop, mas amo, vivo e respiro música de uma penca de estilos, épocas e lugares. Aliás, acho bem estranho quem é do rap e não tem um perfil assim, porque é gritante que isso se faz necessário para a evolução quando você é músico de qualquer estilo, e ainda mais num gênero que sempre viveu de buscar elementos de outros ritmos e recontextualizar isso, que é o caso do hip-hop. Mas, respondendo à pergunta, no momento nem faço ideia se algum dia vou voltar a exercer tal função, seja num retorno do “Vitrola” ou qualquer outro esquema.



- Que beatmaker você acha inovador na arte de cortar samples? E o que acha dos samples em bloco, aqueles que usam um grande trecho da música original quase sem alterações?

Acho que ambos os caminhos podem ser geniais. O Madlib é um que várias vezes usa o trecho inteiro, porque tem casos que a música pede isso. E ela tem sempre que estar acima do ego. Tem vez que o barato já vem pronto, tá ligado? Aí, é saber perceber e deixar fluir... Claro que é louco quando o cara consegue cortar o sample de forma inovadora e transformar em outra melodia, mas fazer isso só pra “mostrar serviço”, fica vazio, acaba soando mais como um showcase técnico, coisa que considero dispensável. Fora os mais cultuados, como o próprio Loop Digga, J. Dilla, Pete Rock, e DJ Premier, eu piro pra caralho no RZA, que é monstro como todo mundo sabe, e no Prince Paul. Ele é o “Professor Pardal” da parada, cada trampo que faz tem um contexto e um estilo novo, que várias vezes vira moda depois de um tempo, só que aí ele já tá três níveis além, e os props vão para outro alguém. Mas, mesmo assim, se mantém relevante e original – “fresh”, como dizem os gringos. Stetsasonic, De La Soul, Gravediggaz, Handsome Boy Modelling School, Dino 5, o novo do Souls Of Mischief... é tudo “culpa” dele!



- Na produção de rap, que beatmakers brasileiros se destacam hoje?

Daqui do Brasil, eu curto pacaraio o jeito que o M. Takara corta e usa os samples, e também a rapa do Elo Da Corrente. São estilos bem diferentes, mas tem em comum a onda de ser muito brasileiro de um modo nada óbvio ou clichê. Fora eles e os já citados em perguntas anteriores, valorizo a musicalidade do Stereodubs e do Sala 70 (parceiro do meu mano Espião). Em Curitiba também tem caras bons, como o Nave e o Dario.



- Alguns músicos questionam a legitimidade do sample como composição. Sample é uma composição? É uma criação musical?

Quem fala isso, em geral,  é marujo recalcado, perdido no tempo ou ambos! É claro que existem casos de picaretagem pura e simples, que beiram o plágio, e caracterizam apropriação indevida, mas o fato de você ouvir uma faixa, perceber que determinado trecho pode ser extraído e com ele gerar outra paisagem sonora, tem valor com certeza. Sem falar no efeito colateral de fazer um público novo conhecer a obra do artista sampleado. O Arthur Verocai é um cabuloso que andava no ostracismo e foi resgatado graças a Little Brother, Doom e o DJ Nuts. Por conta disso, fez um show bombado em L.A., tocando seu disco solo de 1972, com big band e orquestra, que foi lançado em DVD no box Timeless. Isso levou ao par de concertos no Sesc Pinheiros em abril, que por sua vez, espero que inspirem outros projetos e trabalhos ligados a esse maestro ímpar. Mas, de novo: tudo (re)começou por conta dos beatmakers que samplearam a música dele.



- O futuro do hip-hop está mais relacionado ao sample ou ao uso de instrumentos tradicionais - os chamados “instrumentos tocados”?

Ao meu ver, o que liga é a intersecção de ambas as linguagens. Casar máquinas e músicos não é uma missão simples, mas quando funciona bate mais forte do que o formato tradicional de DJ + MC e do que o chamado “rap com banda”, sabe? Tenho buscado isso em minhas sambadas e cantadas atualmente.



- Como de costume, pra finalizar, um espaço livre pra você se expressar.

Agradeço a oportunidade, desejo vida longa e prosperidade ao blog, e aproveito pra avisar que estamos com um álbum pronto, que deve ser lançado ainda em 2011, focado nos meandros menos explorados da fusão de hip-hop com jazz. Trata-se de um encontro inédito e exclusivo, com pessoas de diferentes formações, gerações, e origens: os microfones do Mamelo, mais o lendário percussionista Naná Vasconcelos, mais os músicos M. Takara e Guilherme Granado (Hurtmold), mais o trompetista Rob Mazurek (Chicago Undergound Duo), mais o MC/poeta/beatmaker Mike Ladd... Tudo isso arranjado pelo Scotty Hard, que também acrescentou guitarras e teclados em algumas faixas. É doidêra de primeira, e boto mó fé que vai chapar o côco daqueles que curtem sons da alma. Muito amor a todos os leitores!

http://www.myspace.com/mamelosoundsystem

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Entrevista com Luiz Café



Luiz Café é produtor e tem uma história de amizade muito interessante com Mc Marechal, principal responsável pela ida do produtor de Porto Alegre até o Rio de Janeiro, onde hoje vive. A partir daí deu um grande salto em sua atividade musical, e se fazendo conhecido primeiramente pelo single “Sangue bom” em parceria com Mc Marechal.

Obrigado Luiz Café.


- Sabemos que você é um produtor que pouco usa o recurso do sample. Por que?

Salve, irmão! Muito obrigado pelo respeito e por esta oportunidade! Então... Acredito que o motivo de eu não usar muito sample vem da forma de trabalhar, pois meu processo de criação muitas vezes vem primeiro de alguma melodia de voz. Às vezes, quando dou início com algum tipo de sample, e quando começo a colocar os instrumentos, chega uma hora em que eu retiro o sample e deixo só o que foi criado por cima dando assim espaço para outras ideias, inclusive de refrões e rimas para a música que está sendo criada.

- Hoje em dia, o acesso a um computador e a softwares é fácil, e muitos novos beatmakers têm surgido graças a essa facilidade. Que consequências você vê nisso?

Eu acredito que tudo em que a gente se interessa ou acredita precisa ser levado a sério, então precisamos estudar muito e saber exatamente o que estamos fazendo! Não adianta ter o melhor estúdio do mundo se você não souber a diferença de um compressor para um limiter, por exemplo. E é essa a consequência que vejo nisso! Alguns acham que um computador no quarto basta!

- O que você acha das fontes de sample? Faz diferença, de alguma forma, extrair o áudio de um vinil, por exemplo? Existe um valor cultural histórico nisso?

Eu acho muito louco escutar uma música sampleada com estilo e criatividade! Quanto a extrair um sample direto do vinil, depende do que você quer fazer. A textura da música muda, com certeza! Eu conheço pessoas que valorizam muito músicas feitas com samples antigos.

- Você usa softwares ou bateria eletrônica como a MPC? Sabe nos dizer as diferenças entre esses dois modos de compor?

Eu uso Softwares e MPC. Para mim, a MPC acaba sendo bastante limitada! Então, eu uso a MPC para criar uma bateria e ter um pouco mais de dinâmica, e para cortar samples. Depois disso, jogo tudo no Pro Tools, onde eu gravo mais instrumentos, tendo como abrir plugins de efeitos, filtros, e gravar uma guia de voz, podendo abrir alguns timbres do Reason e, se precisar colocar alguma coisa no tom, eu ligo o Melodyne, tudo junto. Quando eu crio algo só na MPC é mais para me divertir.

- Que beatmaker você acha inovador na arte de cortar samples? E o que acha dos samples em bloco, aqueles que usam um grande trecho da música original quase sem alterações?

Inovador não sei lhe dizer! Mas musicalmente acho o Kanye West muito bom com samples! Tudo depende da música para mim. Se o cara pegar um sample, não mudar nada e fizer uma música boa, vou achar muito bom! Agora, se o cara picotear todo o sample, mudar aqui e ali, e a música não for boa no todo, vou achar ruim.

- Na produção de rap, que beatmakers brasileiros se destacam hoje?

Gosto do Riztocrat, Damien Seth, Marechal, Dario, Nave, Laudz, Casp e Daniel Ganjaman.

- Alguns músicos questionam a legitimidade do sample como composição. Sample é uma composição? É uma criação musical?

Se você pegar aquele sample e colocar um outro baixo e outra bateria, estará colocando a sua visão naquelas melodias que já foram criadas pelo dono da canção, ou seja, a composição não será sua! Apenas a criação em cima das melodias de outros músicos.

- Para onde caminha o futuro das produções de rap na sua opinião? Nos samples e instrumentos digitais? Ou os instrumentos acústicos e elétricos vão voltar?

Acredito que, no futuro, a mistura de instrumentos digitais e orgânicos vão ser inevitáveis para um bom produtor. Eu Já faço isso e conheço alguns produtores que fazem isso também.

- Como de costume, pra finalizar, um espaço livre pra você se expressar.

Muito obrigado pelo espaço!

Twitter – @luiz_cafe


Tel: 21 – 8141 5738

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Entrevista com Sala 70

Sala 70 é um beatmaker cozinheiro, e de temp(er)os para cá nos mostra constante evolução e competência na programação de seus instrumentais. A evolução do “chef” em temperar instrumentais através de suas mixagens e equalizações é evidente para quem o acompanha desde a época do auge do MySpace. Hoje com seu trabalho divulgado principalmente pelo Soundcloud, ele pode mostrar todo o peso e a definição de graves e agudos de sua ótima fase.


- Por que esse nome, Sala 70?

Nem todos sabem o quanto é difícil bolar um nome artístico, um nick, um vulgo, um "aka". Comecei a pensar tecnicamente, queria um nome pronunciável na maioria dos idiomas, simples e diferente dos convencionais. Certo dia, sintonizei na TV Cultura e comecei a assistir a uma orquestra na Sala São Paulo. Além de me encantar com a beleza da sala, fiz a analogia de que o maestro coordenava vários músicos naquela "sala" e eu, aqui no meu quarto, coordenava alguns instrumentos e samples – que, na grande maioria das vezes, são da década de 1970. Daí foi só ligar os pontos e formar: Sala 70

- Hoje em dia, o acesso a um computador e a softwares é fácil, e muitos novos beatmakers têm surgido graças a essa facilidade. Que consequências você vê nisso?

A consequência clara é a produção de beats em massa. Isso é muito bom, muitíssimos talentos e novos estilos puderam surgir, é liberdade musical! Mesmo que de cada 1.000 usuários de Fruity Loops surja apenas um bom beatmaker, já é válido. Só peço atenção para quem está começando hoje e já está se intitulando como “produtor”: ter uma ou duas poesias escritas no seu caderninho não faz de você um poeta. Do mesmo jeito que sentar no computador e fazer uma ou outra batida não faz ninguém ser um beatmaker, muito menos um produtor.


- O que você acha das fontes de sample? Faz diferença, de alguma forma, extrair o áudio de um vinil, por exemplo? Existe um valor cultural histórico nisso?

Acho que é uma questão cultural e de grandíssimo valor. O MP3 e a internet são muito mais novos que o rap. Os beats sampleados sempre foram feitos em cima de discos de vinil, a história foi feita assim. Há quem prefira destrinchar sebos atrás de raridades, colocar o vinil para rodar e recortar, e há quem goste da comodidade de usar o YouTube ou o Google como fonte de pesquisa, e ripar um som em MP3. Hoje em dia temos essa opção. Não sou contra quem sampleia MP3, acho que o produto final poderá agradar ou não o ouvinte, independente de onde veio o sample, se de um disco de vinil ou de um MP3. Mas uma coisa é fato: um vinil em bom estado sempre terá o som real e o MP3 sempre vai ter seu som comprimido.

- Que beatmaker você acha inovador na arte de cortar samples? E o que acha dos samples em bloco, aqueles que usam um grande trecho da música original quase sem alterações?

Até hoje não vi ninguém superar a técnica de cortar samples do DJ Premier e do “todo poderoso” J. Dilla. Esses dois são meus grandes ídolos na produção de rap e referência. Aprecio também os samples corridos, “loopões” quase inalterados. Madlib (outro ídolo) é mestre em achar esses loops perfeitos.


- Quem conhece acompanha seu trabalho pela internet há algum tempo percebeu uma considerável mudança na qualidade dos últimos instrumentais, desde a criatividade até a equalização e mixagem. Isso se deve só ao uso do Soundcloud?

(Risos) Também ajudou, quem teve ou ainda tem MySpace sabe como é a qualidade de som por lá. Comecei a produzir usando caixas CCE de madeira muito antigas e ruins, e um fone de ouvido de camelô, daqueles de R$ 5. Depois dessa fase, o upgrade foi um rádio LG com caixas até que honestas. Na sequência, comprei um bom par de fones de ouvido, que já me deu uma outra noção de mixar. A última aquisição foi um par de caixas monitoras. Quanto ao processo criativo, ele vai amadurecendo com o tempo. Passei a ser menos intuitivo e mais preciso nas sonoridades que procuro.

- Qual é a influência afrobrasileira religiosa no seu trabalho?

Na verdade, a parte afrobrasileira religiosa não me influencia, não. Andei sampleando algumas coisas da umbanda apenas. Respeito a religiosidade e a religião de todos.


- Na produção de rap, que beatmakers brasileiros você acha que se destacam hoje?

Tem muita gente fazendo boas batidas e evoluindo. Os participantes da Liga dos Beats (32 beatmakers) e os que participaram ao longo desses últimos anos das Battle Beats são, em sua grande maioria, excelentes beatmakers, e exemplo para quem está começando agora. Vou citar aqui alguns poucos nomes dos caras que vejo estar se destacando, mas sem desmerecer ninguém: Nave, Renan Samam, Henrique Jonas, DJ Caíque e Stereodubs. Além de estarem se destacando, são grandes talentos e muito bons no que fazem.


- Alguns músicos questionam a legitimidade do sample como composição. Sample é uma composição? É uma criação musical?

O Sample na mão de um músico/beatmaker é um componente. Com aquele componente, junto de outros, ele vai criar a sua obra. Sample, traduzindo para o português, quer dizer "amostra". Então, uma amostra não pode ser chamada de resultado final.

- Como de praxe, pra finalizar, um espaço livre pra você se expressar.

Primeiramente, obrigado pelo convite. É sempre importante dividir opiniões e ideias, ajuda muito no crescimento e na evolução de todos nós. Gostaria de utilizar esse espaço para deixar um recado aos MCs: vamos pegar o bom costume de, sempre que abordar ou procurar um beatmaker, valorizá-lo, perguntar quanto custa o seu trabalho. Todos nós do rap queremos ser profissionais, fazer videoclipes, EPs, camisetas, adesivos... não é verdade? Então está na hora de agir também como profissionais e tratar os beatmakers como produtores de ritmo, e não como “fazedores de favor”. Nós somos o "R" do rap não se esqueçam. Não fazemos turnê subindo nos palcos e recebendo cachê, nossos beats é que sobem e acompanham vocês. Então é mais do que justo pagar por eles. Pensem nisso!

Contatos:

Twitter: @Sala70

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Entrevista com Dj Nuts



Nuts, muito obrigado por aceitar responder as questões da nossa entrevista. É de imenso prazer poder trocar palavras com um dos maiores mestres do vinil no Brasil, um exímio pesquisador de música brasileira, e que nos presenteia vez em quando com a amostra de pedras raras da nossa cultura musical envolvidas com a técnica apurada das suas mixagens. O rei das embaixadinhas nos toca-discos. Obrigado.


- Você produziu faixas de um dos mais clássicos discos de rap nacional, o Eu tiro é onda primeiro álbum solo do Marcelo D2, já usando a mistura de samba com rap através de samples. Naquela época já existia alguma referência para fazer essa mistura? 
Não foi primeira vez que samplearam "Brasil". Ao mesmo tempo, eu não tinha referência de identidade ao começar o disco. Tinha algumas batidas nessa ideia e o Marcelo tinha ouvido e resolveu usar. Marcou para mim, foi além de batidas adicionar o trabalho de músicos como João Donato e Dom um Romão. Também o standart de gravação e acabamento que o rap nacional até então não tinha visto. Um disco que possibilitou minhas primeiras experiências na Akai MPC. Fiz o disco quase todo em um fim de semana, aprendendo a mexer nesse equipamento.

- Hoje em dia, o acesso a um computador e a softwares é fácil, e muitos novos beatmakers têm surgido graças a essa facilidade. Que consequências você vê nisso?
Mais gente fazendo, não vejo mal nisso, é fundamental até mesmo para que as pessoas vejam a diferença entre todos. O que eu gosto é ver gente com menos recursos fazendo batidas mais legais do que os que têm estúdio e toda estrutura, até mesmo porque quando comecei era essa a onda. Hoje em dia muita gente vem me falar sobre novas tecnologias e tal, e continuo trabalhando com emulator SP 1200, e na estrada usando MPC 500, pois funciona a pilha e é muito legal fazer em qualquer lugar, no avião, ou no quarto de hotel, sampleio do iPod, pois nesse tenho discos que digitalizei e kits de bateria para viagem.

- O que você acha das fontes de sample? Faz diferença, de alguma forma, extrair o áudio de um vinil, por exemplo? Existe um valor cultural histórico nisso?
Não no resultado, e sim pessoalmente para cada um. Eu sou colecionador, coleto minhas próprias amostras e cuido de limpar todos os meus kits de bateria por questão de ética pessoal. Para mim, não tem como fazer uma batida usando a batida de alguém.

- Um dos seus mix CDs tem o título de Cultura Cópia. Por que esse título?

É uma referência à influência norte-americana na música brasileira da época.

- Que beatmaker você acha inovador na arte de cortar samples? E o que acha dos samples em bloco, aqueles que usam um grande trecho da música original quase sem alterações?
A originalidade pode morar em tudo isso. Veja que às vezes posso achar um trecho sendo longo tendo certeza que ninguém vai saber de onde é que saiu. Na minha visão, fazer batidas tem a ver com achados em garimpo, assim como os produtores que são minha influência, todos esses fizeram as pessoas procurarem os discos que por eles foram usados. Esse é o barato para mim. Tenho acervo grande, pois comecei faz tempo. Hoje em dia é dificil começar a colecionar, essa nova geração se desinteressou em discos devido ao difícil acesso e ao preço elevado nos dias de hoje. Então, optaram por outro caminho de softwares e controladores, e ficar vendo quem sampleou quem na internet e tal, que é normal também. Dou muito mais valor para o pessoal que frequenta sebos atrás de amostras de som que não estão em discos caros exatamente.

- Na produção de rap, que beatmakers brasileiros se destacam hoje?

Não vou destacar ninguém para despertar aqueles que são bons para o seu potencial, estão se dedicando para fazer algo tão bom quanto alguma coisa que deu certo na “Norte América”. Para mim, cada um poderia pegar essa energia toda e canalizar para fazer algo original. Eu não tô fora dessa cobrança, é minha missão também e de alguns por aqui. O brasileiro se mostra complexado em querer provar que pode chegar no mesmo resultado que os gringos. Isso vem desde sempre na nossa cultura, pegar o que vem de fora - não tirando o mérito de ninguém, pois muitas vezes essas tracks chegam em bom resultado nas pistas e a festa agradece.

- Você acha que uma versão sampleada pode chegar ao nível de sua original?

Às vezes, mais interresantes para os jovens, assim como
Jay electronica Exibit C é um dos chops mais legais da atualidade em cima do "Cross my heart".

- Alguns músicos questionam a legitimidade do sample como composição. Sample é uma composição? É uma criação musical?

É composição de qualquer jeito, justificada na criação. Se existe, é porque foi composta, não importa se lhe agrada ou não. O músico se sente machucado quando “roubam” a obra toda, até entendo. A única regra é quando o disco tem uma perspectiva comercial, é certo pedir autorização ao dono e negociar a porcentagem pelo uso. O problema é que, nos dias de hoje, caíram muito todos esses números, devido à baixa da indústria musical. Ouvi dizer de autores processando por samples e gastando mais com advogados, pois o dinheiro não está mais lá.

- O sample é também uma espécie de resgate de músicas de décadas atrás que foram esquecidas? Os artistas antigos entendem assim também?

Alguns desses artistas estão em clima de resgate e ficaram felizes com isso. Destaque mais para a Cláudia, sampleada pelo Nave no track "Desabafo" (Marcelo D2), foi grande coisa, gostei. Fora isso, Jay-Z usando Marcos Valle e negociando porcentagens. Arthur Verocai me perguntando se eu conheço um rapper chamado Ludacris... e disse "Ele me sampleou". Expliquei que há uma boa diferença entre um artista independente como MF Doom o samplear e um rapper comercial como o Ludacris.

- Você é DJ e beatmaker, certo? Você pretende atuar musicalmente em mais alguma área fora as duas?

Colecionismo. Desperta todo o meu interesse. Dedico meu tempo para isso.

Se quiser saber mais do Dj nuts, seu trabalho e baixar seus mix cd's, acesse seu blog:

Sample+Logia

Sejam todos realmente bem-vindos, produtores, beatmakers, dj's e apreciadores do sample. O Blog Sampleologia surgiu de uma sede de mais informações sobre o assunto, e como "logia" significa Estudo, surgiu o nome. Opinião de gente que vive à base de música, que lida com música e a fórmula de produção do Sample. Por isso vamos tratar de assuntos mais técnicos, como também de assuntos simples, com entrevistas com gente ativa nesse meio, na intenção de desmistificar essa arte, que muito se ouve finalizada mas pouco se comenta sobre seu processo de criação. Comentários serão importantes pra que possamos discutir e evoluir nosso entendimento sobre o assunto. Fiquem à vontade.