Hurakán é o primeiro representante da já famosa Cidade dos Beats de Ouro aqui em nosso Blog. Mc e Produtor curitibano, é ele quem vai deixar suas palavras e ponto de vista dessa vez.
- Hurakán, a que se deve esse
salto de Curitiba no rap nacional, revelando tantos produtores e MCs com
trabalhos de bastante qualidade?
Hurakan: Obrigado por essa oportunidade, Nandes.
Bom... para mim, fica difícil analisar como um todo
esse salto, esse destaque da cena aqui de Curitiba perante o cenário nacional,
pois eu não tenho uma visão de fora daqui para fazer uma avaliação mais
completa. Porém, tenho uma teoria de que isso se deve ao fato da boa qualidade
dos trabalhos feitos por aqui, e também devido aos eventos de grande porte que
têm acontecido aqui na cidade, trazendo artistas de outras cidades e, com isso,
estreitando os laços que já existiam.
- Quando e como você começou
a produzir instrumentais? Tinha os mesmos recursos que tem hoje?
Hurakan: Comecei por volta de 1996, quando eu tocava com o
grupo Comunidade Racional, em parceria com o Crises, que era o tecladista do
grupo na época. Produzíamos juntos, com um teclado e um sampler. Era bastante
limitado, mas era o suficiente pra termos instrumentais próprios e não
precisarmos mais utilizar instrumentais de raps norte-americanos, como era
comum na época. Hoje em dia eu tenho muito mais recursos, tanto para produzir
como para gravar meus próprios sons.
- Hoje em dia, o acesso a um
computador e softwares é fácil, e com frequência surgem novos beatmakers graças
a essa facilidade. O que você vê de consequência nisso?
Hurakan: Eu acho muito bom haver essa facilidade de utilizar um
computador e um software. Com esse acesso mais viável, surgem mais artistas
talentosos que fatalmente não teriam meios de trabalhar se não fossem por esses
meios, tendo em vista que equipamentos dedicados para produção, como baterias
eletrônicas, samplers, etc., são muito caros e difíceis de se adquirir aqui no
Brasil. O lado ruim disso é que, de certa forma, banaliza o trabalho do
beatmaker, pois, ao invés de um artista ou grupo comprar um instrumental, ele
vai tentar produzir seu próprio, e muitas vezes sem qualidade. Isso enfraquece
bastante a indústria que já é bem pequena para nós do hip-hop.
- O que você acha das fontes
de sample? Faz diferença de alguma forma extrair o áudio de um vinil, por
exemplo? Existe um valor cultural histórico nisso?
Hurakan: Eu não sou radical nesse ponto, porém particularmente
prefiro muito mais samplear de vinil ou de CD, pois a qualidade do som original
tem uma diferença no produto final. Também uso MP3, mas tenho em mente que,
sampleando de MP3, não vou ter o mesmo peso no resultado da produção, como
teria sampleando das fontes originais.
E com certeza existe o valor histórico da coisa, de se
manter as raízes do hip-hop. Manter a maneira como era feita no começo,
principalmente para ensinar as novas gerações e para não perdermos a essência.
- Qual é a origem do nome
Hurakán?
Hurakan: Hurakán é o nome de uma entidade maia. É o deus dos
relâmpagos, trovões e tempestades. Os maias acreditavam que ele era responsável
pelo caos, ao trazer enxurradas que destruíam seus campos de cultivo, mas ao
mesmo tempo trazia a renovação para que uma nova colheita pudesse ser semeada.
Eu me identifico muito com isso, pois para mim a
música é isso. Ao compor, eu me entrego de corpo e alma à música, e isso na
maioria das vezes é sofrido, trabalhoso. Mas o resultado é sempre uma
satisfação, um alívio, um renascimento.
- Como é seu processo de
criação entre letra e instrumental? Qual vem primeiro? Existe uma regra?
Hurakan: Não existe uma regra definida. Na maioria dos casos, o
instrumental vem antes, principalmente se o instrumental vier de outro
beatmaker. Mas algumas vezes posso ter uma ideia de uma frase solta, que
futuramente pode vir a se tornar uma letra e só depois é que eu vou à caça do instrumental
pra ilustrar aquela ideia.
- Do que se trata o projeto
“Huradubs”?
Hurakan: HuraDubs é um projeto meu dedicado a produções de
reggae e dub. Eu venho pesquisando reggaes desde 1998 e compondo algumas coisas
nessa linha desde 2002, e tenho me aprofundado muito nesse ritmo jamaicano.
Dentro desse projeto existem algumas versões de
reggaes roots, alguns sons com vocal, e outros somente instrumentais, feitos
por mim através dos programas de computador. Mas também tem algumas que terão
participação de músicos, como bateristas, baixistas, trompetistas, etc., dando
uma textura mais orgânica para os sons. Já tenho algumas prontas e espero em
breve poder apresentar esse trabalho ao vivo e, quem sabe, lançar esse trabalho
em alguma mídia física também.
- Que beatmaker você acha
inovador na arte de cortar samples? E o que acha dos samples em bloco, aqueles
que usam um grande trecho da música original quase sem alterações?
Hurakan: Um cara que sem dúvida nenhuma é um monstro na arte de
picotar samples é o Nave. É inacreditável o que ele faz com um trecho de
“milisegundos”.
Eu acho os dois métodos igualmente geniais, picotar ou
usar loop inteiro. A diferença básica entre eles é que, se você souber como
recortar um sample, você pode até usar um som conhecido, popular, e praticamente
ninguém vai saber de onde saiu. Já um beat com loop inteiro requer uma pesquisa
mais profunda, pois usar loop pronto de sons conhecidos não dá muito certo.
Provavelmente haverá outros beats com o mesmo loop que você usou.
- Alguns músicos questionam a
legitimidade do sample como composição. Sample é uma composição? É uma criação
musical?
Hurakan: É, existem alguns músicos que ainda não entenderam a
beleza da arte do sample. Mas, geralmente, quem se preocupa mais com isso são
as editoras, detentoras dos direitos autorais. Nos EUA isso é bem resolvido.
“Quer usar? Paga e pronto.” Aqui ainda é bem precário nosso sistema de
arrecadação, as leis não tratam disso com eficiência. Tudo isso dificulta a
discussão e o entendimento. Mas, com certeza, samplear é uma arte e uma
homenagem aos artistas que muitas vezes estão no esquecimento.
- Na produção de rap, que
beatmakers brasileiros se destacam hoje?
Hurakan: Bom, é só olhar nos discos dos rappers em destaque que
lá estarão os beatmakers mais solicitados do momento. Mas, independente disso,
se você faz um trabalho bom e trabalha com seriedade, você também vai conseguir
seu lugar ao sol.
- Instrumentalmente falando,
para onde você acha que caminhará o rap no futuro:ara um lado cada vez mais
eletrônico e virtual ou os instrumentos orgânicos vão fazer a vez mais a
frente?
Hurakan: Atualmente eu estou numa fase bastante focada em
sintetizadores e instrumentos virtuais. Mas acho que a mistura dos dois mundos,
analógico e digital, são o futuro.
- Para finalizar, um espaço
livre pra você se expressar.
Hurakan: Valorizem sua arte, beatmakers! Cobrem por suas
produções, mas também invistam na sua estação de trabalho. Todo lucro requer
investimento. Tratem sua arte como um trabalho de verdade.
Obrigado mais uma vez pelo espaço e venham conhecer Curitiba!
Abraços pra geral!