sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Entrevista com Hurakan



Hurakán é o primeiro representante da já famosa Cidade dos Beats de Ouro aqui em nosso Blog. Mc e Produtor curitibano, é ele quem vai deixar suas palavras e ponto de vista dessa vez.


- Hurakán, a que se deve esse salto de Curitiba no rap nacional, revelando tantos produtores e MCs com trabalhos de bastante qualidade?

Hurakan: Obrigado por essa oportunidade, Nandes.
Bom... para mim, fica difícil analisar como um todo esse salto, esse destaque da cena aqui de Curitiba perante o cenário nacional, pois eu não tenho uma visão de fora daqui para fazer uma avaliação mais completa. Porém, tenho uma teoria de que isso se deve ao fato da boa qualidade dos trabalhos feitos por aqui, e também devido aos eventos de grande porte que têm acontecido aqui na cidade, trazendo artistas de outras cidades e, com isso, estreitando os laços que já existiam.

- Quando e como você começou a produzir instrumentais? Tinha os mesmos recursos que tem hoje?

Hurakan: Comecei por volta de 1996, quando eu tocava com o grupo Comunidade Racional, em parceria com o Crises, que era o tecladista do grupo na época. Produzíamos juntos, com um teclado e um sampler. Era bastante limitado, mas era o suficiente pra termos instrumentais próprios e não precisarmos mais utilizar instrumentais de raps norte-americanos, como era comum na época. Hoje em dia eu tenho muito mais recursos, tanto para produzir como para gravar meus próprios sons.


- Hoje em dia, o acesso a um computador e softwares é fácil, e com frequência surgem novos beatmakers graças a essa facilidade. O que você vê de consequência nisso?

Hurakan: Eu acho muito bom haver essa facilidade de utilizar um computador e um software. Com esse acesso mais viável, surgem mais artistas talentosos que fatalmente não teriam meios de trabalhar se não fossem por esses meios, tendo em vista que equipamentos dedicados para produção, como baterias eletrônicas, samplers, etc., são muito caros e difíceis de se adquirir aqui no Brasil. O lado ruim disso é que, de certa forma, banaliza o trabalho do beatmaker, pois, ao invés de um artista ou grupo comprar um instrumental, ele vai tentar produzir seu próprio, e muitas vezes sem qualidade. Isso enfraquece bastante a indústria que já é bem pequena para nós do hip-hop.


- O que você acha das fontes de sample? Faz diferença de alguma forma extrair o áudio de um vinil, por exemplo? Existe um valor cultural histórico nisso?

Hurakan: Eu não sou radical nesse ponto, porém particularmente prefiro muito mais samplear de vinil ou de CD, pois a qualidade do som original tem uma diferença no produto final. Também uso MP3, mas tenho em mente que, sampleando de MP3, não vou ter o mesmo peso no resultado da produção, como teria sampleando das fontes originais.
E com certeza existe o valor histórico da coisa, de se manter as raízes do hip-hop. Manter a maneira como era feita no começo, principalmente para ensinar as novas gerações e para não perdermos a essência.


- Qual é a origem do nome Hurakán?

Hurakan: Hurakán é o nome de uma entidade maia. É o deus dos relâmpagos, trovões e tempestades. Os maias acreditavam que ele era responsável pelo caos, ao trazer enxurradas que destruíam seus campos de cultivo, mas ao mesmo tempo trazia a renovação para que uma nova colheita pudesse ser semeada.
Eu me identifico muito com isso, pois para mim a música é isso. Ao compor, eu me entrego de corpo e alma à música, e isso na maioria das vezes é sofrido, trabalhoso. Mas o resultado é sempre uma satisfação, um alívio, um renascimento.


- Como é seu processo de criação entre letra e instrumental? Qual vem primeiro? Existe uma regra?

Hurakan: Não existe uma regra definida. Na maioria dos casos, o instrumental vem antes, principalmente se o instrumental vier de outro beatmaker. Mas algumas vezes posso ter uma ideia de uma frase solta, que futuramente pode vir a se tornar uma letra e só depois é que eu vou à caça do instrumental pra ilustrar aquela ideia.


- Do que se trata o projeto “Huradubs”?

Hurakan: HuraDubs é um projeto meu dedicado a produções de reggae e dub. Eu venho pesquisando reggaes desde 1998 e compondo algumas coisas nessa linha desde 2002, e tenho me aprofundado muito nesse ritmo jamaicano.
Dentro desse projeto existem algumas versões de reggaes roots, alguns sons com vocal, e outros somente instrumentais, feitos por mim através dos programas de computador. Mas também tem algumas que terão participação de músicos, como bateristas, baixistas, trompetistas, etc., dando uma textura mais orgânica para os sons. Já tenho algumas prontas e espero em breve poder apresentar esse trabalho ao vivo e, quem sabe, lançar esse trabalho em alguma mídia física também.


- Que beatmaker você acha inovador na arte de cortar samples? E o que acha dos samples em bloco, aqueles que usam um grande trecho da música original quase sem alterações?

Hurakan: Um cara que sem dúvida nenhuma é um monstro na arte de picotar samples é o Nave. É inacreditável o que ele faz com um trecho de “milisegundos”.
Eu acho os dois métodos igualmente geniais, picotar ou usar loop inteiro. A diferença básica entre eles é que, se você souber como recortar um sample, você pode até usar um som conhecido, popular, e praticamente ninguém vai saber de onde saiu. Já um beat com loop inteiro requer uma pesquisa mais profunda, pois usar loop pronto de sons conhecidos não dá muito certo. Provavelmente haverá outros beats com o mesmo loop que você usou.


- Alguns músicos questionam a legitimidade do sample como composição. Sample é uma composição? É uma criação musical?

Hurakan: É, existem alguns músicos que ainda não entenderam a beleza da arte do sample. Mas, geralmente, quem se preocupa mais com isso são as editoras, detentoras dos direitos autorais. Nos EUA isso é bem resolvido. “Quer usar? Paga e pronto.” Aqui ainda é bem precário nosso sistema de arrecadação, as leis não tratam disso com eficiência. Tudo isso dificulta a discussão e o entendimento. Mas, com certeza, samplear é uma arte e uma homenagem aos artistas que muitas vezes estão no esquecimento.

- Na produção de rap, que beatmakers brasileiros se destacam hoje?

Hurakan: Bom, é só olhar nos discos dos rappers em destaque que lá estarão os beatmakers mais solicitados do momento. Mas, independente disso, se você faz um trabalho bom e trabalha com seriedade, você também vai conseguir seu lugar ao sol.

- Instrumentalmente falando, para onde você acha que caminhará o rap no futuro:ara um lado cada vez mais eletrônico e virtual ou os instrumentos orgânicos vão fazer a vez mais a frente?

Hurakan: Atualmente eu estou numa fase bastante focada em sintetizadores e instrumentos virtuais. Mas acho que a mistura dos dois mundos, analógico e digital, são o futuro.


- Para finalizar, um espaço livre pra você se expressar.

Hurakan: Valorizem sua arte, beatmakers! Cobrem por suas produções, mas também invistam na sua estação de trabalho. Todo lucro requer investimento. Tratem sua arte como um trabalho de verdade.
Obrigado mais uma vez pelo espaço e venham conhecer Curitiba! Abraços pra geral!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Entrevista com Dj Kl Jay




Kleber Simões é mais conhecido como Dj Kl Jay. É dj e produtor do grupo mais expressivo que já existiu em toda história do Rap brasileiro (creio que dispensa apresentação, não é?). Também tem seus trabalhos individuais, como produtor musical, lançando seus discos e produzindo pra outros artistas. E como dj, atualmente vem esbanjando positividade e satisfação em transmitir sua musicalidade e técnica ao público das casas noturnas de São Paulo e do Brasil. Obrigado Kl Jay!


- Kleber, desde quando você produz seus próprios instrumentais e quais eram as ferramentas nesse início? Se lembra qual foi o primeiro instrumental produzido?
KL Jay: Desde quando comprei minha MPC, faz uns 12 anos. Meu primeiro som foi uma música pro SNJ, "Do céu só cai chuva" (álbum "O Show Deve Continuar", de 2005).

- Hoje em dia, o acesso a um computador e softwares é muito mais fácil, e surgem muitos novos beatmakers devido a essa facilidade. O que você vê de consequência nisso?
KL Jay: É o mundo atual moderno, tecnológico. O hip-hop cresceu no mundo todo. Tem mais espaço, mas só vão se destacar os bons e dedicados.

- O que você acha das fontes de sample? Faz diferença, de alguma forma, extrair o áudio de um vinil, por exemplo? Existe um valor cultural histórico nisso?
KL Jay: O sample é a grande matéria-prima do hip-hop. Quanto ao vinil, o som é diferente, original, real, faz diferença sim. O valor do vinil é mais que histórico, é eterno.

- Existe algum sample que você quis muito usar e, por algum motivo, não pôde? Já teve problemas desse tipo com direitos autorais?
KL Jay: Não penso nos direitos autorais, nunca tive problema. O mercado aqui não tem nem 5% do giro do mercado norte-americano. Já quis samplear sons que outros produtores fizeram antes de mim.

- Que beatmaker você acha inovador na arte de cortar samples? E o que acha dos samples em loop, aqueles que usam um grande trecho da música original quase sem alterações?
KL Jay: DJ Premier é mestre no corte de samples, ninguém pega. Muito musical, cara! Sobre samplear um trecho inteiro, depende de vários fatores: letra, o fluxo do MC, o gosto musical do produtor/MC... E uma opinião minha é que tem sample que já está pronto, se cortar estraga. Para mim, usar um longo trecho de um loop, se for bem loko, vale a pena!

- Na produção de rap, que beatmakers brasileiros se destacam hoje?
KL Jay: Mano Brown produz muito! Edi Rock também. Gosto do Nave (foda!), Parteum, Laudz, DJ Will (zica!), Renan Samam, o Sem Grana também é muito bom e sei que tem mais...

- Alguns músicos questionam a legitimidade do sample como composição. Sample é uma composição? É uma criação musical?
KL Jay: O sample deu origem ao rap, cara. É um trecho de um som sendo transformado em outro, é a tradição das produções de hip-hop! Foram feitas músicas inesquecíveis, clássicos com o sample. O hip-hop resgatou músicas sampleadas que nunca foram ouvidas pela geração dos anos 1990 até a época atual. Quem questiona isso não sabe do que está falando...

- Há pouco tempo, foi registrada uma parceria musical bem inusitada, sua com o Ed Motta. Como foi essa experiência de criação musical?
KL Jay: Simplesmente musical. Ed Motta manja muito!

- Quem produz os instrumentais dos Racionais MCs, todos do grupo? E o novo disco, pode nos dizer o que vem por aí em questão musical e, principalmente, de produção?
KL Jay: Mano Brown, Edi Rock e eu. No novo disco tem muita gente produzindo: DJ Cia, William Magalhães, Lino Krizz, etc...

- Atualmente, no que você vem se dedicando e produzindo?
KL Jay: Tô discotecando, fazendo o "KL Jay na Batida Vol. 2", o novo dos Racionais, cuidando dos meus filhos, administrando...

- Como de praxe, para finalizar, deixamos um espaço livre para você se expressar.
KL Jay: Cuidem do espírito, e depois do corpo (não comam carne!). Aprendam a lidar com o dinheiro (dinheiro é bom!), ajudem o próximo, plantem para colher depois. Se plantarem arroz, não vão colher batata, entenderam? Paz!!!