sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Entrevista com Rodrigo Brandão (Mamelo Sound System)


Rodrigo Brandão é uma outra figura ativa e muito importante no Hip-hop Nacional que passa aqui pelo Sampleologia. Fora seu trabalho musical carregado de brasilidade em parceria com Lurdez da Luz no Mamelo Sound System, sabemos da sua atuação promovendo eventos de muita qualidade e acessibilidade pra quem admira a Cultura Hip-hop. Obrigado.



- Rodrigo, quem cria os instrumentais do Mamelo? Você também cria os Boom-baps?

No nosso último álbum, “Velha-Guarda 22”, quem maestrou a coisa toda foi o Scotty Hard, um daqueles super-heróis subliminares que só quem é conhece. Ele já trabalhou em discos fundamentais como “De La Soul Is Dead”, “Wu-Tang Forever” e “Sex & Violence” do Boogie Down Productions, além de assinar a produção de alguns dos melhores trampos do Medeski Martin & Wood. Mas o Mamelo também já rimou em beats de muitos outros artistas, tanto gringos (High Priest, Wax Poetic, Spectre, Metastaz) quanto nacionais (Parteum, Maquinado, Yoka, Kiko Dinucci). Eu não meto a mão nos botões, mas sempre tenho presença ativa na produção: seleciono samples, faço a parte de conceituar o trampo, escolher as participações, definir a cara e o caminho a ser seguido.



- Hoje em dia, o acesso a um computador e a softwares é fácil, e muitos novos beatmakers têm surgido graças a essa facilidade. Que consequências você vê nisso?

É uma faca de dois “legumes”... O lado bom é a democratização, a fita de conseguir ferramentas para se expressar, mesmo sem ter capital para investir nisso a princípio. O problema é que, para cada Pizzol ou Tiago Rump (figuras que respeito, surgidos nesse contexto), aparecem trocentos que só chegam atrás de dinheiro e fama, maluco que antes não se lançava porque era uma busca, um processo evolutivo, coisa que demanda tempo, dedicação e energia. Agora é só dar meia dúzia de cliques no mouse, e o público acaba abraçando porque, para uma porção significativa da sociedade, música é só mais uma pasta de arquivos no computador ou no celular. Aí, o personagem e o figurino acabam, em geral, valendo mais do que o som em si nessa Era Da Pós-Esperança, como diz o Black Tought do The Roots.



- O que você acha das fontes de sample? Faz diferença de alguma forma extrair o áudio de um vinil, por exemplo? Existe um valor cultural histórico nisso?

Para começar, vale dizer que é melhor ouvir uma canção da hora em MP3 do que um bagulho boca em LP 180g... Mas, posto isso, rola diferença, sim. Tem a questão das frequências: o som do vinil é muito mais “gordo” e definido que qualquer outro formato. E tem a vivência: quando você fuça um sebo, acha o disco, você vê a capa, lê as informações – quem tocou, quem produziu, quem arranjou, etc. – e acaba entrando no mundo daquele artista, descobrindo outros nomes importantes, aquilo passa a ser parte de você também. E mesmo que pareça conversa metafísica ou abstrata, a real é que quem tem sensibilidade e profundidade, percebe o grau da diferença: é algo como comparar um chá aguado com café expresso curto e grosso.



- No extinto programa “Vitrola Invisível” (UOL), rolava a sessão “Originais e Sampleadas”. Não existe previsão da volta do programa ou do surgimento de algum programa semelhante?

Eu me divirto fazendo rádio, e também tem a sensação gratificante de propagar música boa para quem se interessa e muitas vezes não conhece determinado som ou artista. O lance de “Originais e Sampleadas”, em especial, me fazia a cabeça, porque eu sou hip-hop, mas amo, vivo e respiro música de uma penca de estilos, épocas e lugares. Aliás, acho bem estranho quem é do rap e não tem um perfil assim, porque é gritante que isso se faz necessário para a evolução quando você é músico de qualquer estilo, e ainda mais num gênero que sempre viveu de buscar elementos de outros ritmos e recontextualizar isso, que é o caso do hip-hop. Mas, respondendo à pergunta, no momento nem faço ideia se algum dia vou voltar a exercer tal função, seja num retorno do “Vitrola” ou qualquer outro esquema.



- Que beatmaker você acha inovador na arte de cortar samples? E o que acha dos samples em bloco, aqueles que usam um grande trecho da música original quase sem alterações?

Acho que ambos os caminhos podem ser geniais. O Madlib é um que várias vezes usa o trecho inteiro, porque tem casos que a música pede isso. E ela tem sempre que estar acima do ego. Tem vez que o barato já vem pronto, tá ligado? Aí, é saber perceber e deixar fluir... Claro que é louco quando o cara consegue cortar o sample de forma inovadora e transformar em outra melodia, mas fazer isso só pra “mostrar serviço”, fica vazio, acaba soando mais como um showcase técnico, coisa que considero dispensável. Fora os mais cultuados, como o próprio Loop Digga, J. Dilla, Pete Rock, e DJ Premier, eu piro pra caralho no RZA, que é monstro como todo mundo sabe, e no Prince Paul. Ele é o “Professor Pardal” da parada, cada trampo que faz tem um contexto e um estilo novo, que várias vezes vira moda depois de um tempo, só que aí ele já tá três níveis além, e os props vão para outro alguém. Mas, mesmo assim, se mantém relevante e original – “fresh”, como dizem os gringos. Stetsasonic, De La Soul, Gravediggaz, Handsome Boy Modelling School, Dino 5, o novo do Souls Of Mischief... é tudo “culpa” dele!



- Na produção de rap, que beatmakers brasileiros se destacam hoje?

Daqui do Brasil, eu curto pacaraio o jeito que o M. Takara corta e usa os samples, e também a rapa do Elo Da Corrente. São estilos bem diferentes, mas tem em comum a onda de ser muito brasileiro de um modo nada óbvio ou clichê. Fora eles e os já citados em perguntas anteriores, valorizo a musicalidade do Stereodubs e do Sala 70 (parceiro do meu mano Espião). Em Curitiba também tem caras bons, como o Nave e o Dario.



- Alguns músicos questionam a legitimidade do sample como composição. Sample é uma composição? É uma criação musical?

Quem fala isso, em geral,  é marujo recalcado, perdido no tempo ou ambos! É claro que existem casos de picaretagem pura e simples, que beiram o plágio, e caracterizam apropriação indevida, mas o fato de você ouvir uma faixa, perceber que determinado trecho pode ser extraído e com ele gerar outra paisagem sonora, tem valor com certeza. Sem falar no efeito colateral de fazer um público novo conhecer a obra do artista sampleado. O Arthur Verocai é um cabuloso que andava no ostracismo e foi resgatado graças a Little Brother, Doom e o DJ Nuts. Por conta disso, fez um show bombado em L.A., tocando seu disco solo de 1972, com big band e orquestra, que foi lançado em DVD no box Timeless. Isso levou ao par de concertos no Sesc Pinheiros em abril, que por sua vez, espero que inspirem outros projetos e trabalhos ligados a esse maestro ímpar. Mas, de novo: tudo (re)começou por conta dos beatmakers que samplearam a música dele.



- O futuro do hip-hop está mais relacionado ao sample ou ao uso de instrumentos tradicionais - os chamados “instrumentos tocados”?

Ao meu ver, o que liga é a intersecção de ambas as linguagens. Casar máquinas e músicos não é uma missão simples, mas quando funciona bate mais forte do que o formato tradicional de DJ + MC e do que o chamado “rap com banda”, sabe? Tenho buscado isso em minhas sambadas e cantadas atualmente.



- Como de costume, pra finalizar, um espaço livre pra você se expressar.

Agradeço a oportunidade, desejo vida longa e prosperidade ao blog, e aproveito pra avisar que estamos com um álbum pronto, que deve ser lançado ainda em 2011, focado nos meandros menos explorados da fusão de hip-hop com jazz. Trata-se de um encontro inédito e exclusivo, com pessoas de diferentes formações, gerações, e origens: os microfones do Mamelo, mais o lendário percussionista Naná Vasconcelos, mais os músicos M. Takara e Guilherme Granado (Hurtmold), mais o trompetista Rob Mazurek (Chicago Undergound Duo), mais o MC/poeta/beatmaker Mike Ladd... Tudo isso arranjado pelo Scotty Hard, que também acrescentou guitarras e teclados em algumas faixas. É doidêra de primeira, e boto mó fé que vai chapar o côco daqueles que curtem sons da alma. Muito amor a todos os leitores!

http://www.myspace.com/mamelosoundsystem

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