quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Entrevista com Sala 70

Sala 70 é um beatmaker cozinheiro, e de temp(er)os para cá nos mostra constante evolução e competência na programação de seus instrumentais. A evolução do “chef” em temperar instrumentais através de suas mixagens e equalizações é evidente para quem o acompanha desde a época do auge do MySpace. Hoje com seu trabalho divulgado principalmente pelo Soundcloud, ele pode mostrar todo o peso e a definição de graves e agudos de sua ótima fase.


- Por que esse nome, Sala 70?

Nem todos sabem o quanto é difícil bolar um nome artístico, um nick, um vulgo, um "aka". Comecei a pensar tecnicamente, queria um nome pronunciável na maioria dos idiomas, simples e diferente dos convencionais. Certo dia, sintonizei na TV Cultura e comecei a assistir a uma orquestra na Sala São Paulo. Além de me encantar com a beleza da sala, fiz a analogia de que o maestro coordenava vários músicos naquela "sala" e eu, aqui no meu quarto, coordenava alguns instrumentos e samples – que, na grande maioria das vezes, são da década de 1970. Daí foi só ligar os pontos e formar: Sala 70

- Hoje em dia, o acesso a um computador e a softwares é fácil, e muitos novos beatmakers têm surgido graças a essa facilidade. Que consequências você vê nisso?

A consequência clara é a produção de beats em massa. Isso é muito bom, muitíssimos talentos e novos estilos puderam surgir, é liberdade musical! Mesmo que de cada 1.000 usuários de Fruity Loops surja apenas um bom beatmaker, já é válido. Só peço atenção para quem está começando hoje e já está se intitulando como “produtor”: ter uma ou duas poesias escritas no seu caderninho não faz de você um poeta. Do mesmo jeito que sentar no computador e fazer uma ou outra batida não faz ninguém ser um beatmaker, muito menos um produtor.


- O que você acha das fontes de sample? Faz diferença, de alguma forma, extrair o áudio de um vinil, por exemplo? Existe um valor cultural histórico nisso?

Acho que é uma questão cultural e de grandíssimo valor. O MP3 e a internet são muito mais novos que o rap. Os beats sampleados sempre foram feitos em cima de discos de vinil, a história foi feita assim. Há quem prefira destrinchar sebos atrás de raridades, colocar o vinil para rodar e recortar, e há quem goste da comodidade de usar o YouTube ou o Google como fonte de pesquisa, e ripar um som em MP3. Hoje em dia temos essa opção. Não sou contra quem sampleia MP3, acho que o produto final poderá agradar ou não o ouvinte, independente de onde veio o sample, se de um disco de vinil ou de um MP3. Mas uma coisa é fato: um vinil em bom estado sempre terá o som real e o MP3 sempre vai ter seu som comprimido.

- Que beatmaker você acha inovador na arte de cortar samples? E o que acha dos samples em bloco, aqueles que usam um grande trecho da música original quase sem alterações?

Até hoje não vi ninguém superar a técnica de cortar samples do DJ Premier e do “todo poderoso” J. Dilla. Esses dois são meus grandes ídolos na produção de rap e referência. Aprecio também os samples corridos, “loopões” quase inalterados. Madlib (outro ídolo) é mestre em achar esses loops perfeitos.


- Quem conhece acompanha seu trabalho pela internet há algum tempo percebeu uma considerável mudança na qualidade dos últimos instrumentais, desde a criatividade até a equalização e mixagem. Isso se deve só ao uso do Soundcloud?

(Risos) Também ajudou, quem teve ou ainda tem MySpace sabe como é a qualidade de som por lá. Comecei a produzir usando caixas CCE de madeira muito antigas e ruins, e um fone de ouvido de camelô, daqueles de R$ 5. Depois dessa fase, o upgrade foi um rádio LG com caixas até que honestas. Na sequência, comprei um bom par de fones de ouvido, que já me deu uma outra noção de mixar. A última aquisição foi um par de caixas monitoras. Quanto ao processo criativo, ele vai amadurecendo com o tempo. Passei a ser menos intuitivo e mais preciso nas sonoridades que procuro.

- Qual é a influência afrobrasileira religiosa no seu trabalho?

Na verdade, a parte afrobrasileira religiosa não me influencia, não. Andei sampleando algumas coisas da umbanda apenas. Respeito a religiosidade e a religião de todos.


- Na produção de rap, que beatmakers brasileiros você acha que se destacam hoje?

Tem muita gente fazendo boas batidas e evoluindo. Os participantes da Liga dos Beats (32 beatmakers) e os que participaram ao longo desses últimos anos das Battle Beats são, em sua grande maioria, excelentes beatmakers, e exemplo para quem está começando agora. Vou citar aqui alguns poucos nomes dos caras que vejo estar se destacando, mas sem desmerecer ninguém: Nave, Renan Samam, Henrique Jonas, DJ Caíque e Stereodubs. Além de estarem se destacando, são grandes talentos e muito bons no que fazem.


- Alguns músicos questionam a legitimidade do sample como composição. Sample é uma composição? É uma criação musical?

O Sample na mão de um músico/beatmaker é um componente. Com aquele componente, junto de outros, ele vai criar a sua obra. Sample, traduzindo para o português, quer dizer "amostra". Então, uma amostra não pode ser chamada de resultado final.

- Como de praxe, pra finalizar, um espaço livre pra você se expressar.

Primeiramente, obrigado pelo convite. É sempre importante dividir opiniões e ideias, ajuda muito no crescimento e na evolução de todos nós. Gostaria de utilizar esse espaço para deixar um recado aos MCs: vamos pegar o bom costume de, sempre que abordar ou procurar um beatmaker, valorizá-lo, perguntar quanto custa o seu trabalho. Todos nós do rap queremos ser profissionais, fazer videoclipes, EPs, camisetas, adesivos... não é verdade? Então está na hora de agir também como profissionais e tratar os beatmakers como produtores de ritmo, e não como “fazedores de favor”. Nós somos o "R" do rap não se esqueçam. Não fazemos turnê subindo nos palcos e recebendo cachê, nossos beats é que sobem e acompanham vocês. Então é mais do que justo pagar por eles. Pensem nisso!

Contatos:

Twitter: @Sala70

2 comentários:

  1. Thiago, adorei o site e achei ótimas as entrevista. gostaria de saber como faço para te enviar uma sugestão de pauta, tem algum e-mail onde possamos conversar?
    att

    fabiola

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  2. Tem sim Fabiola, anote aí: hiagogreps@hotmail.com

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